ANÁLISE "HERTZBERIGEANA" DO MEU ESPAÇO DOMÉSTICO/COTIDIANO
No livro "Lições de Arquitetura", Hertzberger aborda diversos conceitos que despertam uma mentalidade arquitetônica que deve ser considerada pelos arquitetos durante a execução de um projeto. É possível notar a presença ou a ausência destes conceitos explorados em todas as diversas formas de arquitetura, por exemplo no espaço doméstico e cotidiano de um prédio, como vamos observar a seguir através de uma análise do local onde vivo.
Começando a análise pelo meu quarto. Apesar de fazer parte do meu apartamento e tecnicamente ser permitida a entrada de todos os meu familiares e convidados, o grau de acesso à ele se torna uma questão de convenção, visto que, apesar de ser permitido, nem todos têm a liberdade de utilizar o ambiente a qualquer momento sem o meu consentimento. Por possuir a maioria dos meus pertences, por ser um local modificado e organizado da forma que me agrada e por ter sido determinado que seria "meu", esse cômodo adquire uma característica mais privada em relação às outras áreas da casa como a sala de estar, sala de jantar e a cozinha. Assim, quando outras pessoas vão entrar geralmente elas batem na porta e pedem licença ao contrário dos outros locais citados.
De acordo com o livro, "quanto mais influência pudermos exercer pessoalmente sobre as coisas à nossa volta, mais nos sentiremos emocionalmente envolvidos com ela". É possível observar essa afirmação em todos os quartos do meu apartamento, já que cada membro da minha família se sente mais ligado e à vontade nos cômodos que foram determinados como o quarto de cada um. O meu, por exemplo, apresenta diversas estantes e uma grade que contribuem efetivamente para mudanças e influências pessoais que levam ao maior sentimento de pertencimento que tenho em relação a esse espaço, visto que organizo elas da forma que me agrada com livros, desenhos, fotos e objetos que possuem algum significado para mim.
Expandindo a análise para os outros cômodos da minha casa, a articulação que cria esses espaços é necessária, pois, por ser uma definição rítmica de paredes e fachadas, dá origem à plasticidade do apartamento e contribui para a percepção do espaço. No entanto, quanto mais articulações houver, menor será o espaço e o efeito será mais individualizante, como é possível observar na relação de cada morador e seu próprio quarto. Porém, na minha casa foram realizadas algumas mudanças na articulação do espaço que deram outra dimensão ao uso e à interação entre as pessoas, já que, ao destruir uma parede que separava a cozinha da sala de estar e de jantar, o ambiente da cozinha se tornou menos individualizado e as pessoas que o utilizam agora podem interagir com as outras dos cômodos próximos. Com isso, concluímos que as articulações são necessárias, mas devemos avaliar a distância e a proximidade exigida entre os indivíduos para, assim fornecer um espaço que atenda as demandas do morador que, no caso dos meu familiares, era integrar todos na sala de jantar, sala de estar e na cozinha sem isolar quem está cozinhando dos demais.
Além disso, no meu apartamento outras mudanças foram realizadas. Uma área externa coberta que era utilizada para guardar entulhos e como área de recreação foi transformada em um escritório e oficina para o meu pai trabalhar em home office. Ademais, outra área externa foi transformada em uma cozinha extra, na qual é possível receber mais convidados. Com isso, observamos que a forma assumiu aparências diferentes sob circunstâncias novas, sem a alteração da estrutura, ou seja, a forma foi capaz de se adaptar a uma variedade de funções permanecendo fundamentalmente a mesma.
Expandindo para as áreas do prédio, sem ser os apartamentos especificamente, é possível observar que são lugares mais públicos, pois todos os moradores do prédio e visitantes podem circular, porém seu caráter privado permanece, visto que pessoas que não foram convidadas não conseguem acessar. No meu prédio o hall de entrada está no mesmo nível da rua e está circundado por duas portas de vidro, uma que leva a um corredor externo e até a próxima porta que leva aos corredores internos de acesso a cada apartamento. A escolha do material dessas portas permite que quem está na rua consiga ver o interior e vice-versa e, assim trazem o mundo exterior para o lado de dentro do prédio e determinam um grau de acesso diferente e de certa forma mais público e convidativo do que as portas de madeira de cada moradia dentro do conjunto.
Além disso, antes da primeira porta de acesso ao prédio temos um espaço de intervalo, uma pequena área na entrada que todos podem utilizar e que fornece uma reconciliação entre a rua, de um lado, e o domínio privado, do outro. Nessa área temos um pequeno muro que forma um canteiro para plantas, no qual muitas pessoas frequentemente sentam para esperar algo. Esse murinho mostra um deslocamento da atenção do âmbito oficial da sua funcionalidade para o informal, da vida cotidiana, já que não foi construído para que as pessoas se sentassem e mesmo assim elas o fazem.
Dentro do meu prédio também é possível observar esse espaço habitável entre as coisas, porém foi construído para essa função, ao contrário do muro na parte externa. No corredor de acesso à garagem foram estruturados dois pequenos lugares para se sentar nas quinas das paredes. Esses "bancos" não eram, de fato, necessários, mas expressam o aumento do potencial de acomodação desse local, visto que a forma foi direcionada às necessidades das pessoas em diversas situações que geralmente não são previstas. Eu mesma já me perguntei sobre a função desses locais ao mesmo tempo em que sempre me sentava para esperar por algum familiar atrasado ao sair de casa.
Por último, analisarei a rua do meu prédio. Como sabemos, após a leitura do livro do Hertzberger, as unidades de habitação funcionam melhor quando as ruas funcionam como espaço de convivência. No entanto, na rua onde moro, raramente vejo uma interação efetiva entre os moradores. Poucas crianças brincam nas calçadas e, quando brincam, não interagem com as outras das casas vizinhas. Ademais, a maioria das pessoas na rua apenas a utilizam para se locomover e realizar as atividades que lhes eram necessárias. Entretanto, na frente da minha casa tem uma escola de ensino infantil e, uma vez por ano, eles fechavam a rua para realizar a festa junina da escola colocando o caráter público da rua temporariamente em questão por meio do uso para objetivos privados. Todavia, essas festas não ocorrem mais e raramente as pessoas utilizam esse espaço urbano para interação.
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